Como é que se tornou um especialista em Placemaking?

É de fato uma longa história, eu formei-me em arquitetura e sempre me interessei por planeamento urbano, meu próprio trabalho final de curso, no começo dos anos 1990 era o que hoje é chamado de Acupuntura Urbana, no meu caso intervenções de qualificação dos lugares em áreas de vulnerabilidade social. 

A dificuldade em trabalhar com esse assunto no Brasil, misturada a matriz modernista que até insiste em impregnar a prática urbanística brasileira, algo que obviamente é a antítese daquilo que acredito, distanciaram-me da minha área de formação. Por uma daquelas voltas da vida, deparei-me com o branding, nesse momento na indústria, onde seria mais tarde brand manager e onde minha jornada com o branding começa. 

Anos mais tarde, já com meu escritório em São Paulo, fui procurado, meio por acaso por um cliente que tinha uma incorporadora, ele construía bairros. Foi a minha oportunidade de juntar a minha paixão por uma cidade mais humana, com a experiência que o branding era capaz de proporcionar. Nesse momento deparei-me com o place branding, algo completamente desconhecido por aqui. Rapidamente entrei no mundo, contatando todos os institutos, grupos, portais e eventos que falavam sobre o assunto. Eles eram muito maiores no segmento de placemaking do que no de place branding, e por isso mesmo, comecei a frequentar esse primeiro. Fiquei surpreso ao perceber que esses grupos não só não se conheciam como não sabiam da existência um do outro. 

Lembro-me do primeiro City Nation Place, quando conheci o Malcolm Allan, também arquiteto e começamos a falar sobre placemaking e contei-lhe a minha ansiedade em juntar as duas coisas. Nesse meio tempo eu entendi que essa complementaridade é essencial, não bastava mais pra mim só “pensar”o lugar, era preciso propor diretrizes claras para “fazer” o lugar. Por isso desenvolvemos no Brasil uma metodologia que sempre unia as duas especialidades, deixei de fazer um sem o outro e isso, por algum motivo, deu muito certo. Outra coisa importante no placemaking, que não deixa de ser uma provocação ao planeamento urbano tradicional é a certeza de que as pessoas são o principal ativo de um lugar, tudo parte delas, essa visão humanista é a bússola do placemaking, e por isso acabamos incorporando essa visão no nosso processo de place branding.

Um lugar é feito pelas pessoas, para as pessoas e com as pessoas, essa foi a principal lição dessa jornada.

Qual a importância do espaço físico em que vivemos e que influência ele pode ter em nossa vida diária?

O espaço físico é determinante na nossa vida, isso fica muito claro na nossa própria casa. Os últimos eventos mostraram como nos importamos com nossas casas, o consumo de bens relacionados ao lar, passaram longe de qualquer crise, buscávamos manter o melhor ambiente possível diante da impossibilidade de sairmos mundo afora.

O problema fica um pouco mais difuso quando falamos das cidades, nem sempre percebemos como ela nos influência. Esse, aliás é um assunto recorrente aqui para nós, em 2018 publicamos uma pesquisa ampla sobre o impacto da cidade na felicidade das pessoas, com um recorte especial para a geração Z, chamada Oxytocity, que já relaciona no nome a cidade ao que Paul Zak chamou de “molécula da moralidade”. Muitos imaginam que o importante na cidade é sua arquitetura e sua geografia, o que não deixa de ser verdade, o problema é o que se entende por arquitetura e geografia. Importa menos a qualidade arquitetonica dos edifícios de uma rua do que coisas menos glamorosas como e escala, tipologia, relação do tamanho da calçada com a altura dos prédios e desenho das ruas, ou seja, o que comumente é chamado de desenho urbano. 

O urbanista dinamarquês Jan Gehl, cujo escritório eu tive o prazer de trabalhar em projeto no Brasil, fala da “cidade para pessoas”, esse pra mim é o cerne do placemaking, e melhor ainda, é aí que place branding e placemaking se complementam. Se para Gehl o humanismo vem através da escala e da dinâmica da cidade, por outro lado existe um complemento vital para o sucesso de um lugar, o significado. 

Um bom lugar é um lugar com significado para quem se relaciona com ele, e por que não, um bom lugar é também um lugar que promove o encontro do significado na vida das pessoas, e isso parte também do place branding ou no nosso caso, o identity placemaking que é uma junção das duas especialidades.

Esse placemaking guiado pela identidade do lugar, e portanto pela identidade das pessoas do lugar, é capaz de propor soluções customizadas para cada lugar, nas diferentes escalas da cidade, de uma esquina a um bairro, sempre com base no comportamento cultural e subcultural da comunidade envolvida.

Mas embora a escala humana seja essencial para um “bom lugar”, o que acontece nesse lugar é tão ou mais importante. O próprio placemaking tem seu surgimento em partes na tentativa de resgatar lugares onde o planejamento urbano original ou a dinâmica imobiliária da cidade afastaram um elemento que chamo de “vibração”. Um bom lugar é um lugar com pessoas, com atividades, com vida, isso tudo inclusive contribui para a segurança do lugar, como já dizia Jane Jacobs lá nos anos de 1960. Não adianta só uma escala humana correta se o lugar não tiver vida.

Essa talvez seja uma das diferenças essenciais entre o urbanismo tradicional e o identity placemaking, enquanto o primeiro está preocupado com questões formais, o segundo se preocupa mais com o que acontece e como acontece a vida num lugar do que com a forma desse lugar propriamente dita, ou melhor, a forma, definitivamente, vem depois da compreensão de como essa vida acontece nesse lugar, ela é apoio e não ponto de partida.

Quais são os fatores-chave para o sucesso do Placemaking ID, o novo serviço oferecido pela Bloom Consulting?

Aqui no Brasil temos impresso em letras gigantes na parede da nossa recepção:

“peopleware
People_where
People_there
Everywhere
It is all about
People”

Acho que isso explica bem o que penso como fator de sucesso para o IP.
Se as pessoas que usam o lugar não estiverem “felizes” então algo saiu errado. É preciso explicar essa felicidade, não se trata da felicidade eufórica como podem pensar alguns, mas de uma vida feliz, que pode ser traduzida como uma vida mais plena possível, que claro, passa pelo tal significado.

Muito dos meus clientes no Brasil são real estate developers. Esse mercado está acostumado com duas métricas de sucesso: Rapidez na venda e margem de retorno. Sistematicamente venho dizendo que tão importante quanto esses dois critérios é um terceiro, o bem estar ( felicidade, significado…) das pessoas nesse empreendimento imobiliário em questão, essa talvez seja a única métrica de sucesso que de fato garanta a perpetuação do negócio e a possibilidade de outros lançamentos futuros, e claro, depois desse impacto inicial falo algo que nenhum empreendedor quer ouvir : Você nunca terá terminado. Aqui entra a tal vitalidade do lugar, não basta construir é preciso criar os alicerces para que o lugar seja vibrante, e isso é alinhamento de propósito a longo prazo.

O que poderia ser um tiro no pé, se mostrou uma abordagem tão bem-sucedida que essa visão humanista pode ser hoje quantificada em números, contribuindo para o sucesso financeiro de vários empreendedores.  

Mas respondendo de forma objetiva a esta pergunta, os principais fatores são: participação comunitária efetiva em processos cada vez mais co-criativos, profunda compreensão da cultura e subcultura local e uma abordagem verdadeiramente multidisciplinar.

O meu critério de sucesso, por exemplo, é muito mais simples. Se na devolutiva com a sociedade eu ouvir as pessoas falando entre elas ou comigo, que elas se vêm naquele projeto é porque fizemos o nosso trabalho. Felizmente isso é bastante comum.

Qual foi o seu projeto preferido na sua carreira profissional?

Foram muitos projetos em relativo pouco tempo, e é sempre difícil escolher um ou pior, o último sempre parece o melhor, mas tenho especial orgulho por dois projetos.

O primeiro chama-se MOINHO, um antigo moinho de trigo localizado em uma região vulnerável de uma cidade média no interior do Brasil. Quando chegamos o lugar seria um shopping, mas percebemos que os empreendedores tinham um forte propósito social. Depois de envolver a comunidade e os empreendedores num projeto colaborativo, transformamos juntos o lugar num grande centro de impacto social, com negócios de moradia, saúde, educação, comércio e inovação. Esse conjunto de edifícios se transformou numa nova centralidade da zona norte da cidade e motivo de orgulho para a comunidade.

Outro projeto importante foi o do centro da cidade de Campo Grande, capital do estado do Mato Grosso do Sul, feito com o Sebrae, prefeitura com recursos do BID. Nosso objeto de trabalho compreendia 20 quadras da rua principal do centro, com características comerciais. Nesse projeto desenvolvemos junto com a comunidade, em dezenas de workshops de co-criação, novos vetores de desenvolvimento para a rua até então exclusivamente comercial. 

Essa diversificação baseada na identidade local foi especialmente útil no período pós-pandemia.

Como o Placemaking ID difere de outras abordagens?

Ele é essencialmente diferente na medida que trabalha os lugares a partir de sua identidade, que por sua vez é alcançada através de processos colaborativos e co-criativos com a comunidade. 

As abordagens colaborativas são crescentes na prática do placemaking, mas muitas vezes não levam em conta aspectos simbólicos, identitários, culturais e comportamentais no processo, justamente por não contarem com a camada de place branding e de toda a compreensão do universo simbólico inerente ao mesmo.

É importante dizer que o identity placemaking não se trata de projeto de arquitetura ou planeamento urbano, não somos um escritório de arquitetos e urbanistas, embora tenhamos arquitetos e urbanistas no time. A função do IP é co-criar diretrizes de materialização da vocação e identidade do lugar nos espaços públicos, que podemos considerar os principais responsáveis pela percepção que temos de uma cidade ou bairro, na mesma medida que é o ambiente onda a vida comunitária acontece.

Dito isso, somos inclusivé parceiros estratégicos para desenvolvimento de novos lugares e qualificação de lugares existentes, atuando junto as equipes de projeto na definição das melhores soluções para determinado lugar, não só do ponto de vista físico, mas principalmente no que se refere a vitalidade do lugar, sua programação e atividades, que chamamos de “software”. 

O IP portanto confere uma camada co-criada com a comunidade, uma camada que transforma identidade e vocação em significado, significado em experiência e experiência em senso de pertencimento.